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Nathália Petry

Se você estiver de bem com seu prato, seu filho vai crescer de bem com seu pratinho.

Quem me acompanha aqui sabe que eu nunca tive a intenção de voltar meu trabalho para o público infantil, e que meu propósito sempre era trabalhar com adolescentes e adultos, guiando-os num processo de reequilibrar seu relacionamento com a comida e voltar a viver sem dietas, efeito sanfona, culpa ao comer, comer emocional, comer compulsivo e briga com a comida.

Porém, recentemente, comecei a trabalhar cada vez mais com a primeira infância, pois percebi nessa fase uma prevenção para problemas com a comida e com o peso. Percebi que se conseguirmos conduzir a alimentação infantil, por exemplo, com respeito, tranquilidade com a comida e confiança na criança, as chances dela crescer conectada com seu corpo são muito maiores!

Quero dizer, como a própria Alimentação Intuitiva coloca, todos nós nascemos sabendo comer, e de bem com nossos pratinhos. Sabemos reconhecer muito bem nossos instintos de fome, saciedade e apetite, e dessa forma conseguimos nos nutrir, comer com prazer, e manter nossos corpos e mentes saudáveis. Se fomos incentivados a manter essa reconexão com nossos corpos, podemos chegar à vida adulta tendo a sensação de que sabemos comer, de que podemos confiar na nossa fome, na nossa saciedade e, sim, também no nosso apetite, e sem precisar nos guiar por orientações externas para isso. Por outro lado, podemos sofrer muitas interferências nessa nossa conexão durante a vida, como por exemplo, na infância (como pressão para determinados alimentos, proibição de outros) ou na adolescência (por exemplo, pressão sobre o corpo perfeito, ditadura da magreza), e acabarmos perdendo essa conexão com nosso corpo. Passamos a seguir orientações e regras externas, e não mais as internas.

Falando especificamente da primeira infância, uma interferência bastante comum atualmente é o radicalismo no momento das refeições (pode comer isso, não pode aquilo) e o medo de alimentos (terrorismo nutricional).

Eu entendo isso. Temos convivido com um advento do sobrepeso e obesidade já na infância e isso nos preocupa. Porém, como uma sociedade que sempre procura exclusivamente um culpado para todas as situações, ao invés de nos preocuparmos em entender o porquê estas crianças estão crescendo desconectadas dos seus instintos de fome e saciedade, mais sedentárias, obsessivas por doces e rejeitando vegetais, passamos a categorizar: "Pais, se seu filho está gordo, é porque vocês estão o alimentando mal".

Sim, sempre a velha história do "você é o que você come", expressão, segundo o pesquisador Adan Levinovitz, que é baseada num mito construído já desde a antiguidade, inspirada por crenças do tipo "coma pênis de tigre e tenha virilidade", como já acreditavam antigos chineses. Parece loucura, mas qual é a diferença disso para "coma uma fritura, e seja obeso"?

É sempre o mesmo pensamento simplista e reducionista de procurar um causador para os nossos problemas. (Como esperar encontrar um combate para a obesidade se constantemente buscamos soluções tão simplistas para uma condição complexa e multidisciplinar?)

E assim passamos a conviver uma era nova, composta por terrorismo nutricional, onde passamos a ter medo dos alimentos, somos obcecados por uma alimentação "de verdade, pura e limpa" (expressões que dão um caráter moralizante para a comida, e, que bem, na verdade não dizem nada... o que seria uma comida pura?), e nosso maior medo é que nosso filho goste de chocolate.

Um possível resultado disso? Enquanto vemos crianças com sobrepeso e obesidade ao nosso redor, dentro do consultório eu encontro crianças obsessivas por doces, compulsivas, trocando lanches com os coleguinhas, ou, muito pior, sendo diagnosticadas com transtornos alimentares, colocando suas vidas em risco já tão cedo.

E antes que vocês se sintam julgados, queridos pais e mães, por favor reconsiderem. Vocês não são culpados de nada. Somos produto do meio, e sempre buscamos o melhor para o nosso filho. E só por isso, eu admiro demais vocês.

Mas se você leu até aqui, você talvez possa entender que exista outra forma. Que ser radical, impedindo veemente que seu filho encoste no açúcar ou descubra como o chocolate é gostoso, talvez não seja uma boa forma de prevenir seu filho de encontrar a obesidade no futuro.

Talvez você possa reconsiderar que o chocolate não é um veneno e o açúcar não é tóxico (porque não são mesmo). Talvez você observe que os alimentos não nos engordam por si só e que sozinhos não têm o poder de levar ao câncer (observe os franceses, cuja alimentação tem muita gordura animal, manteiga e doces, e ainda são considerados uma população magra, com melhores exames bioquímicos e um bom relacionamento com a comida). Talvez você observe que incentivar seu filho a escutar sua fome e sua saciedade seja algo muito natural. Talvez você perceba que seu filho gostar de chocolate também não é nenhum problema. E que ele gostar de verdura não é a maior conquista do universo. E que ele gostar de tudo é muito bacana. Talvez você perceba que comer com tranquilidade e alegria, de tudo, sejam as atitudes mais recompensadoras.

Então, vamos ao que interessa: uma recomendação pra colocar em prática.

Antigamente, uma recomendação prática que eu sempre fazia para os pais aqui era: você não precisa oferecer alimentos muito açúcarados o tempo todo, mas não há a necessidade de proibir caso ele peça ou seja exposto.

Comecei a perceber que essa recomendação funciona bastante na teoria, mas que na prática não. Percebi que os pais tentavam não proibir, mas ficavam na torcida para que a criança não gostasse do alimento ou o rejeitasse. E, bom, isso não é exatamente estar tranquilo com a comida. Nem alimentação intuitiva, ou mesmo a realidade. De verdade, qual a probabilidade de alguém não gostar de um alimento tão palatável como chocolate, e que proporciona ainda bem estar?

Por isso, não se trata do fato da criança gostar ou não gostar do chocolate. Mas de incentivar um relacionamento de paz com a comida. A proibição e o radicalismo criam um desejo acentuado por aquele alimento podendo levar à obsessão, mas executar a recomendação da não proibição de alimento à contra gosto, sem vivenciar isso, também não é a melhor estratégia do mundo.

Por isso, reformulo hoje minha recomendação.

Não é questão de permitir que ele prove o chocolate, buscando aliviar essa proibição, e tentar não deixar resplandecer a ansiedade. Não é questão de deixá-lo provar, as torcer que ele não goste. Mas sim de você trabalhar sua relação com a comida e deixá-lo comer se você se sente confortável com isso.

Agir com tranquilidade perante a comida e seu filho é você estar em paz com a comida primeiro, entendendo que pra você tudo bem ele provar aquele alimento, que tudo bem ele gostar do alimento e que tudo bem porque você realmente sente isso, porque você também está em paz com a comida.

Você está em paz com o chocolate, você está em paz com o fato dele gostar de chocolate, e, só assim, ele estará tranquilo com o chocolate.

Na verdade, é disso que se trata a Alimentação Intuitiva: se reconectar com seu corpo, encontrar o que faz sentido para você e ficar em paz com a sua alimentação. Entrando nessa sintonia, a relação do seu filho com a comida é só uma consequência.

Sabemos hoje que o maior aprendizado de uma criança é por observação. E eles realmente captam tudo! Por isso, não se tratam de regras (comer normalmente não tem nada a ver com regras). Mas de um fato: seu filho crescerá de bem com seu pratinho se você estiver de bem com meu prato.

Quer saber mais sobre essa temática? Veja aqui e aqui.

Já conhece meu ebook Alimentação Intuitiva na Primeira Infância? Veja aqui.

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