No meu clube do livro, uma das participantes fez um comentário muito interessante quando debatemos sobre as diferenças das exigências entre mulheres e homens. Ela comentou que, quando ela era adolescente, enquanto ela, como a grandíssima maioria das meninas, focava energia e dinheiro na sua aparência, cabelos, unhas, emagrecimento e afins; o seu marido, quando adolescente, focava em se desenvolver intelectualmente, fazendo cursos técnicos e de línguas.
Podemos refletir sobre essa fala sobre muitos aspectos, mas hoje, após a leitura do capítulo Trabalho do livro O Mito da Beleza, fiquei pensando sobre um ponto específico: ok, nós mulheres deveríamos ser incentivadas a investir em nosso intelecto e nossa carreira desde cedo, ao invés de na nossa aparência, mas e se a aparência for um requisito para nós, mulheres, obtermos melhores trabalhos?
A discriminação sexual dentro do universo trabalhista é crime. A contratação ou demissão baseada em gênero é crime. Porém, a autora Naomi Wolf comenta sobre o que “a lei de discriminação sexual dos Estados Unidos chama de QOBF (qualificação ocupacional de boa-fé) - um caso excepcional no qual a discriminação sexual para a contratação é legítima porque a própria função exige um dos sexos - como, por exemplo, o sexo feminino numa ama de leite ou o sexo masculino num doador de esperma”; ao que ela acrescenta:
“O que está agora acontecendo é que uma paródia da QOBF — (que chamarei mais exatamente de QBP, qualificação de beleza profissional) — está sendo institucionalizada extensamente como condição para contratação e promoção de mulheres.”
Como assim? Ela quer dizer sobre o fato de contratadores e empregadores usarem o requisito “beleza” para contratarem mulheres e o justificarem como uma forma de aumentar seus lucros.
Pois é…
Segundo a autora, essa ideia
“teve início na década de 1960, à medida que grandes contingentes de jovens instruídas da classe média começaram a trabalhar nas cidades e a morar sozinhas, entre a formatura e o casamento. Simultaneamente promoveu-se uma sexualizada mística comercial da comissária de bordo, da modelo e da secretária executiva.”
A justificativa é que a aparência das mulheres atrairia mais clientes e, consequentemente, lucros. Porém, nesse processo:
“A jovem mulher que trabalhava foi restrita a um estereótipo que usava a beleza para abalar tanto a seriedade do trabalho desempenhado quanto as implicações de sua recente independência.”
Mas a entrada das mulheres para o mercado de trabalho aumentava cada vez mais e elas queriam seu espaço. Como coloca a autora:
“A década de 1970 presenciou o avanço das mulheres nas profissões liberais de uma forma que não mais podia ser considerada intermitente, ocasional ou secundária com relação a seu papel principal de esposas e mães. Em 1978, nos Estados Unidos, um sexto dos candidatos ao mestrado em administração e um quarto dos contadores formandos eram mulheres.”
Ao mesmo tempo, a “beleza” continuou sendo requisito… Veja alguns dados trazidos pela autora:
“Em 1971, um juiz sentenciou uma mulher a perder 1,5 quilo por semana ou ser presa. Em 1972, foi estabelecido que a “beleza” era algo que podia, sob o ponto de vista legal, fazer com que as mulheres ganhassem ou perdessem um emprego. (...) Em 1975, Catherine McDermott teve de processar a Xerox Corporation porque a empresa retirou uma proposta de emprego usando seu peso como justificativa. (...) Em 1978, a National Airlines demitiu a comissária Ingrid Fee por ser “gorda demais” — 2 quilos acima do limite. (...) Em 1979, um juiz federal decidiu que os empregadores tinham o direito de fixar padrões de aparência.”
Ah, Nathália, mas estes dados são antigos. Será? Em março de 2019, apresentadora Michelle Sampaio, da TV Vanguarda, afiliada da Globo, em São José dos Campos, onde eu morava, foi desligada da emissora devido ao excesso de peso. No portal UOL, ela comenta:
"Fui informada pela diretora de jornalismo que a emissora optou pelo meu desligamento por eu não ter atingido o objetivo, que era emagrecer", contou ela, por telefone, ao blog. "Meu talento não tem relação com meu peso", observa.
Esse acontecido entra de acordo com o que Naomi Wolf comenta:
“Essa imagem dupla — a do homem mais velho, distinto e com rugas, sentado ao lado de uma companheira jovem e muito maquiada — veio a se tornar o paradigma para o relacionamento entre homens e mulheres no local de trabalho.”
E nós vemos isso direta ou indiretamente diariamente, não é mesmo? Essa pressão de ter que ter uma aparência determinada para conseguir ser promovida no trabalho, ou para conseguir melhores oportunidades. Recentemente vimos o caso de cantoras (como Bille Eilish, Adele, ou mesmo a Maiara, da dupla Maiara e Maraísa), que, apesar do incrível talento, sofreram e sofrem pressão contínua sobre o corpo. Independentemente se gordas ou magras, o corpo continua no centro das notícias e o talento no segundo plano.
Por fim, é extremamente preocupante isto, e precisamos falar sobre isto. Como disse a apresentadora Michelle Sampaio, nosso corpo não representa nosso talento ou nossa capacidade. Além disso, nosso corpo não é domínio público! Essa constante invasão na nossa imagem e no nosso corpo tem nos adoecido e manchado gravemente nossa auto estima e nossa saúde fisica e mental.
Tendo em mente tudo isto, eu entendo a dor tão frequente nas mulheres que passam pelo meu consultório: a da inadequação. Por isso eu digo a elas, quando elas choram por não serem magras e não conseguem emagrecer, que não se trata de futilidade. Elas não querem emagrecer simplesmente por estética, ou mesmo por saúde. Elas (e todas nós) querem é ser aceitas, é ser adequadas. E seu corpo não perfeito é a concretude de não se adequar.
Mas enquanto entendermos que o problema está em nós, no nosso corpo, e não nestas pressões absurdas que nós mulheres ainda sofremos, continuaremos presas num ciclo que nos machuca: o das dietas, o de passar fome, o de fazer exercício físico extenuante, e o do efeito sanfona.
Se apropriar do seu corpo e aprender a respeitá-lo é um passo fundamental para conseguir cuidá-lo realmente com saúde. Alimentá-lo devidamente, exercitá-lo devidamente, e se munindo de forças para existir (e resistir) como sujeito numa sociedade que nos enxerga como objetos.