Se você já assistiu ao seriado This is Us, vai se recordar da personagem Kate, que vive episódios de compulsão alimentar. Na série, ela frequenta, inclusive, o grupo Overeaters Anonymous (Comedores Compulsivos Anônimos, no Brasil).
E eu não sei se já partilhei aqui, mas eu já frequentei este grupo também.
Foi em 2011, em Florianópolis, quando eu estudava Nutrição. Eu vivia episódios de compulsão alimentar que me deixavam cada vez mais assustada. Cheguei a roubar comida de colegas de apartamento. E no auge do desespero, lembro que vi um folheto em um quadro da faculdade convidando para os encontros do Comedores Compulsivos Anônimos.
Resolvi ir, e cheguei a ir em alguns encontros. Eram inclusive semelhantes aos vividos por Kate, no seriado, pois seguem aqui a mesma metodologia americana. Nós relatávamos nossos exageros e episódios de compulsão alimentar, conversávamos sobre as nossas dificuldades alimentares, e nos muníamos de força para praticar a abstinência dos alimentos “tentação”. Usávamos o mantra “só por hoje” não vou comer tais alimentos.
Porém, acabei abandonando o grupo pois não conseguia colocar em prática os passos promovidos. Inclusive, para muitas pessoas a metodologia não dá certo. Segundo a psicanalista americana Sylvie Batle, o CCA (ou comedores compulsivos anônimos) podem ser uma alternativa de tratamento para muitas pessoas, porém a metodologia da abstinência de alguns alimentos é bastante controversa.
O que tem se visto atualmente é que a ideia da abstinência de alimentos gatilhos (aqueles alimentos "tentação") pode piorar as compulsões alimentares. Afinal, mesmo não tendo os alimentos em casa, no nosso mundo com tanta disponibilidade de comidas, no momento que bate o “ímpeto” da compulsão alimentar, saímos correndo para comprar o alimento, ou pedimos por aplicativo.
Fui aprender mais tarde uma outra linha de pensamento para o tratamento da compulsão alimentar, que fala do contrário da abstinência. Autores como Jean Kristeller perceberam que expor pessoas com compulsão alimentar aos seus alimentos gatilho, na verdade, diminuiu a compulsão alimentar.
Isso porquê, quanto mais nos proibimos de um alimento, mais criamos uma obsessão por ele. Fazendo o caminho oposto, ajudando os pacientes com compulsão alimentar a fazerem as pazes com os alimentos “tentação” e a inserir estes alimentos em suas vidas de uma maneira equilibrada e saudável, foi possível ver uma redução nos episódios de compulsão alimentar.
Foi, inclusive, o que ocorreu comigo, na minha relação com a comida. No meu tratamento, quando passei a fazer as pazes com os alimentos “tentação”, ao invés de tentar ficar longe deles, a compulsão alimentar foi reduzindo! Eu não podia acreditar!
Após me graduar em Nutrição, continuei me especializando na questão da compulsão alimentar. E hoje, atuando com a Nutrição Comportamental, mais especificamente a linha Intuitive Eating, tenho ajudado centenas de mulheres a também tratarem a compulsão alimentar e a fazerem as pazes com a comida.
Lembrando ainda que a Compulsão Alimentar é uma questão multicausal, que envolve fatores psicológicos e emocionais (ou aquele popularmente conhecido como “comer emocional”), e estes também devem ser olhados dentro de um tratamento!
Por fim, na série, não sabemos como o tratamento de Kate continua. Mas infelizmente, vemos que a sua relação com a comida continua sendo um problema por anos a fio, inclusive aparecendo posteriormente quando Kate se torna mãe. Eu me compadeço muito dela, e tenho vontade de lhe dar um abraço, pois compulsões alimentares são questões que realmente trazem muito sofrimento, muito além da questão do peso.
Por Nathália Petry, nutricionista.
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